ALGUNS ASPECTOS FORMAIS DO HAICAI TRADICIONAL
Os aspectos (e suas adaptações para o português) listados aqui são características formais do haicai tradicional. Algumas ramificações ocorreram ao longo do século XX a partir do haicai tradicional e nesses haicais mais modernos esses elementos podem ou não estar todos presentes.
Não tem.
Rima não é um recurso muito comum em japonês e raramente aparece em haicais. Não há, portanto, necessidade de rimas no haicai e alguns dirão até mesmo que elas devem ser evitadas (eu incluso). Mas rimas internas, aliterações e assonâncias possuem respaldo na forma tradicional do haicai e podem ser uma ferramenta valiosa, pois a repetição de sons pode ser muito efetiva em transmitir alguma sensação. Por exemplo, no haicai de Bashō "kare eda ni/ karasu no tomarikeri/ aki no kure", a repetição do fonema "k" evoca um pouco o canto do corvo (karasu).
Em japonês o haicai tradicionalmente é escrito seguindo o esquema métrico 5-7-5, mas a língua japonesa conta sons de maneira inteiramente diferente de como fazemos em português e isso se deve às particularidades do idioma japonês que não podem ser trazidas para o português. Sendo assim, toda adaptação do esquema métrico japonês estará "errada" de certa forma. O que é feito mais comumente aqui no Brasil é simplesmente seguir o esquema 5-7-5, mas considerando sílabas métricas. Porém, o verso do haicai deve ser conciso e muitas vezes o esquema 5-7-5 tem "espaço demais", o que acaba levando à introdução de palavras supérfluas na composição.
Como o esquema 5-7-5 é longo demais na maioria das vezes, alguns têm proposto que o mais adequado seria adotar o esquema 4-6-4 e, de fato, minha experiência é a de que esse esquema métrico funciona muito bem na maioria dos casos. No entanto há expressões e palavras que se encaixam perfeitamente em 5-7-5 e se restringir ao esquema 4-6-4 pode acabar eliminando essas expressões do repertório (ou forçar a fazer uso menos eficiente delas). Vamos pegar um exemplo: chuva de verão. Há cinco sílabas poéticas nessa expressão, a qual é perfeita para a composição de haicais, pois é um kigo de verão (discutido mais adiante) e também muito bem incorporado no linguajar cotidiano. O uso estrito do esquema 4-6-4 levaria a empregar essa expressão apenas no segundo verso, o que alguns experimentos logo mostrarão ser um uso difícil e desajustado.
Considero que a sensação de brevidade e concisão no haicai seja o que realmente importa e ambos os esquemas métricos podem alcançar esse efeito de forma muito parecida. Nos haicais abaixo, por exemplo, o primeiro possui esquema 4-6-4 e o segundo 5-7-5, porém essa diferença quase não se percebe durante a leitura.
porta de vidro —
assisto à mariposa
pousar na lua
*
chuva de verão —
um morro de cada vez
desaparecendo
Ambos os esquemas, a meu ver, são bons ao adaptar a forma tradicional do haicai.
O haicai tradicional não é uma sentença dividida em três partes. Há sempre um corte que separa o haicai em dois pedaços (geralmente entre o primeiro e segundo verso ou entre o segundo e terceiro verso). Esse corte (kire) é fundamental para o efeito poético do haicai, pois é a partir dele que e é deixada para leitor a tarefa de fazer a relação entre os elementos justapostos.
Em japonês esse corte é feito através de palavras específicas, tais como ya, yo, zo, nu, kana, keri ..., as quais chamadas, no contexto do haicai, de palavras de corte (kireji). Essas palavras na verdade funcionam como tipos específicos de pontuação e nem sempre possuem algum correspondente imediato em nosso idioma. A adaptação feita em português foi o uso de diversas pontuações (".", "!", ":", ";", "...", "—", etc...) para realizar essa separação. Não há nenhuma regra sobre quais pontuações são mais adequadas para realizar o corte e isso dependem muito do gosto de cada haicaísta. Nos exemplos abaixo, o uso do travessão é uma preferência minha, mas outra pontuação poderia ser posta no lugar.
o fino chuvisco
umedecendo o canteiro —
caracóis no muro
*
uma garça pesca
na beira do mar estático —
círculos na água
*
vento nordeste —
uma sombra de nuvem
sobe no morro
Note que a conexão entre as duas partes não é explicada no haicai, mas pode ser inferida. Essa justaposição de imagens ou eventos, a meu ver, é o principal aspecto que contribui para o efeito poético do haicai.
A cerejeira floresce na primavera e o crisântemo no outono. Pelo menos é assim no Japão e um haicai que contenha cerejeira (sakura) será classificado como de primavera enquanto um haicai mencionando crisântemo (kiku) será classificado como de outono. "Cerejeira" e "crisântemo" são exemplos de kigo (palavras de estação). Essas palavras (ou expressões) fazem com que a estação do ano esteja sempre implícita ou explicitamente presente no haicai tradicional e é um de seus componentes fundamentais. Há quem considere até mesmo indispensável para classificar um poema como realmente sendo um haicai. Abaixo seguem algumas traduções como exemplos, onde os kigo são destacados em negrito.
encosta na linha
de uma vara de pesca —
lua de verão
Chiyo-ni
*
gela meus
lábios
quando tento falar —
vento de outono
Bashō
*
e
quem sabe seja
o meu último endereço —
dois metros na neve
Issa
*
desde
o sol no oeste
até a lua no leste —
flores de canola
Buson
Nesse último haicai, "flores de canola" é um kigo de primavera.
O recurso do kigo, porém, exige uma classificação da fauna, flora, clima e até festividades de acordo com a estação do ano e, embora isso tenha sido de fato feito no Japão, a mesma tarefa foi feita de forma ainda muito limitada no Brasil (a única obra nesse sentido ainda é "Natureza - Berço do Haicai" de Goga e Oda). Isso torna o emprego do kigo num haicai brasileiro ainda um pouco difícil e limitado.
Existem kigo óbvios como "chuva de verão" (o qual já apareceu num haicai acima), mas o Brasil é enorme e possui diferenças notáveis de fauna, flora e clima. A tarefa de catalogar os kigo para todo o Brasil é impossível desde o princípio; seria pelo menos necessário subdividir em regiões com mais homogeneidade nesses aspetos para, então, tentar fazer uma catalogação.
TÉCNICA
O que exporei aqui não deve ser visto como algum conjunto de regras e imagino que muitos haicaístas irão discordar em alguns pontos (ou vários). No entanto é um conjunto de direcionamentos básicos que utilizo ao tentar compor meus haicais e talvez sejam úteis para mais alguém mesmo que discordando de minhas preferências. Ao menos pode ajudar alguém a ter mais consciência sobre essas escolhas e, assim, ser capaz de fazê-las de forma intencional ao tentar potencializar a efetividade do haicai em transmitir as sensações e emoções pretendidas.
Devo salientar que o conjunto de direcionamentos apresentados não são todas as considerações que faço ao escrever haicais. Porém as demais considerações caem em duas categorias: as que são particulares de cada haicai e as que não sei ainda uma maneira de expressar de forma generalizada.
A dama-da-noite desabrochou numa noite de lua cheia e atraiu uma mariposa com seu perfume. Há vários elementos neste cenário que acabei de colocar e sequer há espaço no haicai para incluir todos eles. Ao contrário do que normalmente acontece com outras formas de poemas, onde a dificuldade principal está em criar (cenários, metáforas, etc.), no haicai a dificuldade está em subtrair. Deve-se escolher dois ou três elementos do cenário e focar neles. Por mais que pareça haver uma perda nesse processo, ele é necessário, pois um haicai que tente acomodar elementos demais de um cenário não conseguirá fazer com que nenhum deles tenha o devido peso para transmitir aquilo que se pretende. Ou seja, no cenário que apresentei, para escrever um haicai, se deve selecionar quais elementos focar e desenvolver em torno deles. Uma possibilidade seria focar na flor e na lua, deixando o resto de fora. Um exemplo de haicai com esse foco seria
no branco das pétalas
da flor da dama-da-noite —
lua de verão
Se poderia também escolher a flor e a mariposa, donde um haicai possível é
a mariposa
aceitou o convite —
dama-da-noite
Note que, neste último, o perfume também está presente no cenário, porém de forma implícita.
Em suma, assim como numa boa fotografia, o haicai deve ter poucos elementos (dois ou três) onde concentrar a atenção. Essa escolha dos elementos é a primeira parte na escrita propriamente dita do haicai e, às vezes, a mais difícil. Após se fazer essa escolha, o trabalho se torna o de encontrar a melhor forma de dispor eles a fim de transmitir as sensações e emoções pretendidas.
Acima já disse que considero tanto o esquema métrico 4-6-4 como o 5-7-5 bons ao adaptar a forma do haicai tradicional e não há muito mais a acrescentar sobre isso. É de minha preferência escrever dentro desses dois esquemas porque a regularidade na métrica permite estabelecer mais facilmente um ritmo, o qual para mim é uma das partes fundamentais do haicai enquanto forma poética.
Dentro da questão do ritmo, no entanto, há alguns detalhes que levo em consideração e talvez seja relevante falar. Dependendo se o esquema é 4-6-4 ou 5-7-5, as considerações são ligeiramente diferente, então vamos começar com o esquema 4-6-4.
4-6-4:
Considerando primeiro o verso do meio, de seis sílabas métricas, tento evitar duas situações: ter mais de duas sílabas tônicas e começar o verso com uma sílaba tônica. Além disso, a primeira sílaba tônica no verso deve ser preferencialmente a segunda ou a terceira (com menos preferência). Evito que seja a quarta e nunca deve ser a quinta. No exemplo abaixo, tanto há três sílabas tônicas no segundo verso (em negrito) como também ele começa com uma. Embora tenha sido a melhor solução que encontrei para esse haicai em particular, é perceptível que o ritmo sofre um pouco. Com sete sílabas, uma solução melhor surgiria: "somente a estrela da tarde", mas tentar reescrever o haicai no esquema 5-7-5 acabaria piorando os outros dois versos.
tanabata —
só a estrela da tarde
compareceu
Sobre os versos de quatro sílabas, há essencialmente três opções: começar ambos com sílabas tônicas, começar um deles com sílaba tônica e não começar nenhum deles com sílaba tônica. A segunda opção é a que considero ser a melhor na maioria dos casos, sendo que o verso separado pelo corte tem preferência em começar com uma sílaba tônica, pois isso o destaca e enfatiza o corte (especialmente se for o último verso). A primeira opção também considero muito boa, mas tenho uma preferência pela segunda. Já a terceira opção, a meu ver, é a mais difícil de gerar um resultado satisfatório e geralmente será a opção subótima em relação às outras duas.
Nos exemplos abaixo, as sílabas tônicas estão em negrito. Conforme dito, considero a segunda opção a melhor em termos de ritmo e a terceira a mais difícil de ter um efeito ótimo.
Primeira opção:
vento nordeste —
uma sombra de nuvem
sobe no morro
*
resto de sol
espalhado no céu —
nuvens esparsas
Segunda opção:
porta de vidro —assisto à mariposa
pousar na lua
*
densa folhagem —do alvoroço das aves
somente o som
Note que o ritmo ficaria um pouco pior se o primeiro verso fosse "folhagem densa".
*
sinal vermelho
sem luz para avisar —
ninhos de barro
*
um breve instante
de mar iluminado —
noite chuvosa
Terceira opção:
a calmaria —
um v de mergulhões
também no mar
*
dependurado
atrás do sushiman —
o monte fuji
Embora tenha dito que considero a terceira opção a menos atrativa, os dois exemplos acima são haicais que gosto. Ritmo é um dos fatores que influenciam o efeito geral do haicai, mas está longe de ser o único. Há vezes em que uma pequena mudança sem alterar o sentido do haicai melhora o ritmo (como no caso da troca de "folhagem densa" por "densa folhagem" logo acima), mas há casos em que isso não é possível de ser feito e os outros fatores podem ter um peso maior. Buscar melhorar o ritmo é bom, mas não se deve forçar ele.
5-7-5:
Por questões de concisão nos versos do haicai, tenho preferência pelo esquema 4-6-4 em vez do 5-7-5 na grande maioria das vezes, mas o esquema 5-7-5 não só foi a forma adotada inicialmente por autores brasileiros (como Guilherme de Almeida) como também foi a forma adotada por imigrantes e descendentes de imigrantes japoneses. Ou seja, é a adaptação mais "oficial" e é raro encontrar alguma referência onde o esquema 4-6-4 seja ao menos mencionado.
As considerações que tenho para fazer são semelhantes às que fiz para o esquema 4-6-4, mas há um pouco mais de variedade.
Sobre o verso do meio, de sete sílabas métricas, se torna ainda mais importante evitar que se comece com uma sílaba tônica. Certamente o ritmo ficará desajeitado com o verso começando com ela. Preferencialmente a primeira sílaba tônica deve ser ou a segunda ou a terceira, de forma semelhante ao caso do esquema 4-6-4. Porém, diferentemente do esquema 4-6-4, não é problemático que o verso do meio aqui tenha três sílabas tônicas e considero os ritmos 2,4,7 e 2,5,7 igualmente bons. No caso de haver apenas duas sílabas tônicas o ritmo preferencial se torna o 3,7.
Para os versos de cinco sílabas métricas deve-se evitar que haja três sílabas tônicas, mas um ritmo 1,3,5 pode funcionar. Além disso, tanto os ritmos 1,5, o 2,5 ou o 3,5 funcionam em diversos casos, mas com a ressalva de que, se um dos versos tem ritmo 3,5, o outro não deve repetir. Pela mesma razão já expressa no caso anterior (esquema 4-6-4), o ritmo 1,5 é particularmente bom para o verso separado pelo corte. Abaixo seguem alguns exemplos onde considero que os ritmos ficaram satisfatórios.
névoa da manhã —
sol diluto no contínuo
entre céu e mar
*
tão logo no asfalto
logo voltam a voar —
folhas amarelas
*
a noite realça
o palácio iluminado —
silêncio e fumaça
*
céu da madrugada —
somente a janela acesa
no prédio vizinho
Uma última consideração sobre ritmo, é evitar duas silabas tônicas consecutivas independente do verso.
Quando se usa algum adjetivo num haicai se deve sempre fazer a pergunta "o quanto isso acrescenta para o cenário?". Se o adjetivo for redundante ou acrescentar pouco, provavelmente apenas se está estendendo uma descrição além do necessário.
Por exemplo, ao escrever "o mar azul", o quanto esse "azul" acrescenta ao cenário? A não ser que no haicai essa cor seja contrastada com outra (pode ser com o vermelho de algum navio, por exemplo), provavelmente está trazendo pouca informação a mais, pois o mar normalmente é imaginado como azul.
Um problema um pouco diferente acontece quando se usa mais de um adjetivo para o mesmo substantivo, por mais que eles sejam relevantes. Em "o mar cinza e turbulento" os dois adjetivos estão acrescentando algo sobre o mar, mas é uma descrição longa para os padrões de um haicai. Nesse caso, como o mar turbulento normalmente é acinzentado, se poderia omitir o "cinza" na descrição sem grandes perdas, mas, independente disso, a busca de alternativas que evitem a dupla adjetivação geralmente é o melhor caminho.
Agora, indo além do uso adjetivos para descrições objetivas, há também casos onde o adjetivo introduz algum elemento subjetivo, o qual deveria ficar fora do haicai (pelo menos da parte escrita). Por exemplo, se se escreve o verso "a bela rosa", o "bela" acrescenta uma impressão subjetiva sobre a rosa e isso não cabe no haicai. Se a rosa é bela, a rosa sozinha é suficiente para transmitir essa informação. A impressão subjetiva deve apenas ser sugerida. Assim, ao invés de escrever
manhã de sol —
no jardim desabrocha
a bela rosa
se poderia escrever
manhã de sol —
a rosa no jardim
desabrochando
Há, no entanto, aparentes exceções que até mesmo são kigo. Por exemplo, "noite gelada" é um kigo de inverno e "gelada", a princípio, é uma sensação subjetiva. Porém, esse "gelada" é objetivo o suficiente no sentido de que, para quase todos os seres humanos, a temperatura experimentada é baixa demais. Com isso se poderia retrucar que, no exemplo acima sobre a "a bela rosa", a rosa também é bela para quase todos os seres humanos e seria objetivo o suficiente acrescentar esse adjetivo. Entretanto, se esse é o caso, "bela" é redundante e a rosa sozinha basta.
Na mesma linha de acrescentar elementos subjetivos, também temos adjetivações que criam metáforas, como "lua melancólica", "céu flamejante", "noite opressiva", etc... Fazer associações dessa forma é comum em gêneros mais líricos, mas é desajeitado no haicai. Conforme já enfatizado, o haicai busca ser objetivo no conteúdo escrito. As impressões e associações mais subjetivas devem ser deixadas como sugestões através da forma com que se dispõe os elementos objetivos.
Um haicai é sobre o momento presente e a primeira observação a ser feita é que, via de regra, os verbos devem ser conjugados no presente. Há situações onde conjugações no passado ou futuro (raro) podem fazer sentido, mas sempre se deve ter em mente que o tempo no haicai é o presente e, independente do acontecimento ter começado no passado ou estar se projetando para alguma conclusão, o que está escrito deve se referir ao acontecimento enquanto está acontecendo.
Fora essa consideração mais geral e básica, há algumas outras que são pertinentes também. Um haicai com múltiplas ações (verbos) dificilmente irá funcionar da forma pretendida, pois tenta dar atenção a acontecimentos demais (isso faz parte da escolha de cenário). Um ou dois verbos (e às vezes nenhum) costuma ser número ideal de verbos. Isso pode ser observado nos exemplos já apresentados de haicais.
Além disso, há ações que podem ser implicadas sem realmente estarem escritas. Por exemplo, em
o som da chuva
cessando — do silêncio
a corruíra
está implícito que se trata do canto da corruíra. Algo semelhante ocorre em
tarde de chuva —
também para o bueiro
flores de hibisco
onde é implicado que as flores de hibisco estão indo para o bueiro. Deixar alguma ação implícita pode ser uma das ferramentas a serem utilizadas para atingir o efeito poético desejado.
Atualmente a única kigologia que temos no Brasil ainda é "Natureza - Berço do haicai" de Masuda Goga e Teruko Oda e, como já dito, ela ainda é limitada mesmo considerando apenas as regiões sul e sudeste. Isso dificulta o emprego do kigo em haicais brasileiros. Porém, apesar disso, na medida que há a oportunidade, sempre dou preferência para o uso de um kigo. No entanto também considero palavras e expressões que, embora não tenham sido catalogadas, claramente deveriam figurar como kigo. Por exemplo, hibisco é uma flor que não está catalogada na referida kigologia, mas deveria ser um kigo de primavera ou verão.
A lista apresentada em "Natureza - Berço do haicai" pode ser um bom guia para o emprego do kigo, mas, na medida que algo tenha presença mais clara numa estação, pode-se considerar esse algo um kigo mesmo não estando ainda na lista. Alguém no futuro pode se dar ao trabalho de juntar os novos kigo desses haicais e organizar numa kigologia.
Toda palavra que nada acrescenta ou pouco acrescenta ao sentido do haicai deve ser dispensada. A concisão é um fator importante no haicai. Escrevendo ou não dentro de um esquema métrico, o verso do haicai não deve ser curto apenas de acordo com a contagem de sílabas métricas, mas deve também dar a sensação de ser curto durante a leitura. Tomemos como exemplo disso outra tradução que fiz do "haicai da rã" e comparar com a tradução de outro haicai de Bashō utilizando o mesmo esquema métrico.
uma rã que salta
na beira do velho açude —
breve som da água
*
corvo que repousa
sobre o galho ressequido —
ocaso de outono
Na primeira tradução as palavras "beira" e "breve" sequer possuem correspondência no original e também pouco acrescentam ao sentido do haicai. São palavras supérfluas e estão ali quase que apenas completando a métrica. Na segunda, no entanto, não é possível subtrair alguma palavra sem também subtrair algo importante no sentido do haicai. Ambas as traduções possuem esquema métrico 5-7-5, mas a segunda é concisa enquanto a primeira não a é.
Além disso, na primeira tradução o segundo e terceiro versos possuem três sílabas (poéticas) tônicas, o que contribui para a sensação de que são mais longos do que os correspondentes dois últimos versos na segunda tradução, onde só há, em cada verso, duas sílabas tônicas. Não necessariamente a contagem de sílabas tônicas decidirá se o verso parece mais ou menos longo, mas é um indicativo.
Porém as palavras "beira" e "breve" talvez ainda sejam as principais razões para esses dois últimos versos na primeira tradução parecerem mais longos. Não apenas por acrescentarem sílabas métricas (e tônicas), mas por alongarem as descrições dos elementos principais, "velho açude" e "som da água", acrescentando detalhes (desnecessários) ao cenário.
Tendo essas considerações em mente, é um bom exercício, após rascunhar o haicai, tentar tirar algumas palavras e verificar se o sentido ainda se mantém. Às vezes algum artigo ou adjetivo é dispensável. Também às vezes o haicai fica muito melhor quando se tira algum conectivo e se realiza o corte (kire).